Livro de professora de Ciências Sociais da Rural discute a questão do gênero nas escolhas profissionais masculinas e femininas — por Leticia Sabattini
Fruto da dissertação de mestrado da professora Mani Tebet, o livro “Transgressões e Reprodução: Homens e mulheres em profissões alternativas ao seu gênero”, lançado em outubro de 2016 pela Edur – UFFRJ, pauta-se em uma reflexão sobre as relações entre as questões de gênero e a educação formal e profissional. A docente do Departamento de Ciências Sociais da UFRRJ buscou, com essa obra, preencher uma lacuna de estudos sobre transgressões de gênero no âmbito das escolhas profissionais, analisando alunos homens presentes em cursos femininos e alunas mulheres em cursos masculinos. Nessa entrevista, a professora Mani explica ao Humanidades um pouco mais sobre a temática da obra e os caminhos de produção da pesquisa.
Humanidades: Por que você escolheu estudar e escrever sobre gênero e sociologia das profissões?
Mani: Então, é um tema bastante instigante. Em uma sociedade aparentemente democrática, a princípio você pensaria em igualdade de gêneros de maneira geral na educação. No entanto,quando a gente olha os perfis socioprofissionais, dá pra ver que tem uma desigualdade muito grande. Elas (as mulheres) reverteram o hiato de gênero, mas quantitativamente, já que qualitativamente elas estão nas profissões mais desvalorizadas, que são as áreas do cuidar e os homens estão nas áreas mais bem remuneradas. Mas tem uma questão que é mais integrante ainda que é você olhar para os cursos mais prestigiados, por exemplo medicina e direito, e ver que as mulheres também são maioria. Bom, então não é uma questão de classe, tem alguma coisa que faz com que elas não consigam entrar para as áreas de exatas e de fato, tem uma cultura que é muito forte de retenção das mulheres nas áreas das engenharias.
Humanidades: Desde quando você começou a se dedicar ao tema, o que mudou?
Mani: Olha, não mudou muita coisa. Você ainda tem uma alta concentração das mulheres na área do cuidar e uma alta concentração dos homens nas engenharias, isso variou pouco de 2006 pra cá, mas também houve um aumento gradativo no processo de quebra de estereótipos. As mulheres estão indo mais para as carreiras masculinas e os homens para as carreiras femininas. Está havendo reprodução de gênero, mas ao mesmo tempo está havendo transformação.
Humanidades: Fale um pouco sobre o seu processo de criação.
Mani: Então, o livro começou a ser gestado, quando eu comecei a dissertação do mestrado na UFRJ no programa de pós-graduação em sociologia e antropologia, sob orientação da Bila Sorj, que é uma pessoa referenciada na questão de gênero. Eu comecei em 2006 a escrever a dissertação e iniciei a minha pesquisa de campo no ano seguinte na engenharia elétrica e nutrição da UFF. Era pra ter sido publicado há um ano, mas o processo de criação foi esse.
Humanidades: A quais conclusões você chegou depois do nascimento do livro?
Mani: Primeiro, as escolhas de carreira não são aleatórias e sim condicionadas sócio-historicamente, sobretudo por uma questão de gênero. Então, eu mostro aqui que todo processo de socialização na infância e na juventude faz diferença na escolha da carreira. Um exemplo que a gente pode dar pra concentração das mulheres na área do cuidar e dos homens nas engenharias e tecnológicas é que meninas recebem uma boneca pra cuidar, um fogão, uma caminha de bebê, vassourinha, enquanto os meninos estão ganhando um helicóptero de controle remoto, ou seja, são iniciados com a tecnologia desde cedo. Então, obviamente essa socialização acaba tendo um impacto na educação, nas futuras escolhas profissionais. É muito interessante ver que apesar dos homens quebrarem o estereótipo e entrarem para uma carreira feminina, como a nutrição, dentro desse campo eles encontram um nicho especificamente encaixado para o seu gênero. Enquanto as meninas se especializam nas áreas de controle de alimentos, uma área relacionada à cozinha tipicamente atrelada ao feminino, os homens vão para as academias e se tornam personais nutricionais. É como se fosse uma forma de protegê-los de possíveis desconfianças sobre a homossexualidade. Então, esse foi um dado importante que eu denominei de capital inovador, ou seja, quando o homem entra para uma profissão feminina, ele tem a capacidade de criar outra especialidade pro seu próprio gênero. Esse potencial a gente não sabe se o curso criou para ele ou se a entrada deles propiciou essa especialidade.
Humanidades: Quais são as maiores crenças equivocadas no discurso da mídia que você já encontrou sobre o assunto?
Mani: Acho que basicamente uma crença midiática de que a educação, independentemente da área que você esteja, vai fornecer igualdade para os gêneros. Isso é uma falácia porque, por exemplo, por mais que as mulheres sejam as melhores na medicina se você olha para as especialidades, as mulheres tendem a se concentrar na área de pediatria e os homens na área de cirurgia. Isso gera uma desigualdade salarial absurda, os neurocirurgiões são os que mais ganham. O que quer dizer isso? Quanto mais você sobe na escala de hierarquia profissional, mais homem você tem. São mais retidos nos grandes centros de poder em qualquer profissão.
Humanidades: Você concorda, portanto, com a existência de profissões masculinas e femininas?
Mani: As ciências sociais não fazem julgamento de valor, se é bom ou ruim, se é certo ou errado e sim tentar compreender como se processam essas escolhas. . O que é importante frisar, para além de estar certo ou errado, é demonstrar que essas escolhas são escolhas culturais. Elas são condicionadas socialmente por ideologia de gênero. Obviamente se as mulheres tem uma socialização para a área de humanas muito maior do que pra área tecnológica, a tendência é se concentrarem nessas áreas e desenvolverem melhor talvez no sentido da eficácia. Mas isso não significa que uma mulher engenheira não seja tão capaz quanto um homem de realizar as mesmas tarefas.